Decolonialismo Judicial Amazônico: a urgência de uma justiça representativa e emancipatória na Amazônia
Imagem: Wirestock no Freepik A Amazônia, bioma de importância vital para o equilíbrio climático global, encontra-se em xeque. A região é alvo de graves ameaças como o desmatamento, a escravidão contemporânea renitente, a grilagem, a mineração ilegal, o tráfico de drogas e a violência. Essas ameaças não são apenas ambientais, mas especialmente de caráter social e econômico. Impactam diretamente a vida dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e dos trabalhadores e trabalhadoras de toda a região amazônica. A Justiça brasileira tem papel fundamental a desempenhar na defesa da Amazônia, na consecução e conformação da conduta humana em seu espaço geográfico. No entanto, a estrutura judicial da região é marcada por um colonialismo endógeno que, ao fim, acentua suas desigualdades e desconsidera suas especificidades. Na Amazônia vivem cerca de 13% (dez por cento) da população brasileira, mais de 28 milhões de habitantes, que habitam mais da metade do território nacional. Paradoxalmente, o Sistema de Justiça se apresenta neste território de forma limitada, amputada, parcial, sem efetiva representação dos povos da floresta. Essa ausência de representatividade aponta para um grave déficit democrático. Disse a Ministra Rosa Weber, então presidente do STF e do CNJ, por ocasião do Seminário Direitos Humanos, CNJ, em 22 de setembro de 2023: Racismo Ambiental, Migrações e Ações Coletivas: “A Amazônia, a despeito da grande visibilidade no Brasil e no mundo pela importância assumida no cenário ambiental, é território de escassa presença do Estado, inclusive do Estado-juiz. (...) Quanto à proteção judicial, a Amazônia Legal igualmente congrega a menor capilaridade do Judiciário, não obstante sedie grande diversidade de povos e comunidades tradicionais e alcance cerca de 60% do território brasileiro, desafios a exigir organização e integração do Poder Público para garantia do exercício de direitos fundamentais e da dignidade humana às pessoas residentes na região”. A Amazônia não alcança representatividade judicial em especial nos órgãos de cúpula. Nenhum dos 11(onze) ministros do Supremo Tribunal são amazônidas. Também não há tribunal federal com sede na região. É a única região brasileira com essa negação jurisdicional. Questões fundamentais para a sustentabilidade amazônica - ambientais, indígenas, fundiárias, previdenciárias - são decididas por e a partir da longínqua Brasília, sede do TRF1 Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Adiante, os únicos estados brasileiros que não possuem um tribunal do trabalho próprio são o Amapá, o Acre, Rondônia e o Tocantins, estados amazônicos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui 1(um) único representante amazônico entre seus 33(trinta e três) ministros. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) não possui nenhum ministro da Região Norte entre os seus 27(vinte e sete) ministros. Os únicos estados brasileiros que não detém turmas recursais próprias também estão na Amazônia. Essas negações e desigualdades em relação às demais regiões do país conspiram contra o ideal constitucional de redução das desigualdades regionais. Mais, dificultam a defesa dos interesses legítimos da Amazônia, de sua biodiversidade, do meio ambiente, bem como da promoção dos direitos dos povos indígenas e tradicionais e da promoção do direito ao trabalho decente dos trabalhadores e das trabalhadoras da região, tão necessários na presente quadra histórica. O decolonialismo judicial amazônico é expressão que - a partir dos conceitos de necessária desconstrução do colonialismo que nos permeia - tem a clara pretensão de promover um processo de transformação da estrutura judicial da região, de modo a torná-la mais representativa e, portanto, inclusiva e democrática. Essa transformação precisa contemplar os seguintes aspectos, sem prejuízo de outras valiosas contribuições: Presença no STF e nos Tribunais Superiores de representantes amazônicos(as): evidente a carência representativa, tal se impõe pela observância e proteção da própria sociedade democrática que se visa construir em território nacional. Criação de um tribunal federal amazônico: esse tribunal seria o responsável por julgar os casos mais candentes e relevantes para a sustentabilidade da região, como os relacionados ao meio ambiente, aos direitos previdenciários e às questões indígena e fundiária, incluída aí a necessária criação de turmas recursais em todos os estados amazônicos. Criação de tribunais do trabalho nos estados amazônicos: essa medida facilitaria o acesso à justiça para os trabalhadores e trabalhadoras da região e em todas as suas unidades federativas, conformando a atividade humana no seu sentido emancipatório e protetivo, conspirando ao fim e ao cabo para a sustentabilidade do meio ambiente amazônico, incluído aí necessária higidez do meio ambiente laboral constitucional. O decolonialismo judicial amazônico é, portanto, um processo urgente e necessário com a consequente criação e implementação de tribunais e órgãos jurisdicionais que conformem a atividade humana e promovam a vida e a sustentabilidade amazônicas. Ele é fundamental para a construção de uma Amazônia mais justa, sustentável e próspera. A Justiça amazônica deve ser adequada às especificidades da região e ser aplicada por quem entenda e viva os desafios da região. Só assim ela poderá ser um instrumento de transformação social, promover o trabalho decente e emancipatório e contribuir para o urgente equilíbrio climático global.
Em defesa da soberania do Brasil: AJD sobre o caso Elon Musk e o inquérito das "Fake News"
Nos últimos dias, o país presenciou uma série de ataques do empresário sul-africano Elon Musk contra o Supremo Tribunal Federal em geral, e o Ministro Alexandre de Moraes em particular, que eram acusados de promover a censura no Brasil. Os ataques referiam-se a ordens judiciais do Ministro, no bojo do inquérito das fake news e das investigações sobre a tentativa de Golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, que determinavam a suspensão de contas de pessoas envolvidas naquelas investigações na plataforma “X” (antigo Twitter). Mais recentemente, o Comitê de Assuntos Judiciários do Congresso dos EUA emitiu um documento intitulado “Ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio do governo Biden: o caso Brasil”, onde lista alguns desses casos e critica o Ministro, acusando-o da prática de censura. Os ataques do bilionário sul-africano ao Supremo são uma piada de péssimo gosto. Homem que historicamente alinha-se aos setores mais reacionários na política em vários países, que mantém fábricas da Tesla na China, onde efetivamente há controle sobre o conteúdo das redes sociais (algo inexistente aqui) e que recentemente, a respeito de acusações de beneficiar-se em possível golpe de Estado na Bolívia contra o ex-Presidente Evo Morales, disse que “vamos dar golpe em quem quisermos”, não pode ser levado a sério por nenhum interlocutor razoável. Suas falas são meras bravatas despidas de qualquer conteúdo seriamente considerável e devem ser simplesmente ignoradas. Mas a situação muda de figura quando um Comitê do Congresso de um país com quem mantemos amplo relacionamento comercial e diplomático, critica, entre outras medidas, decisões vigentes da nossa Suprema Corte. O Brasil atravessou, e ainda atravessa, momentos extremamente difíceis do ponto de vista institucional desde a pandemia, quando o STF foi obrigado a atuar na defesa da saúde e da integridade de nossos cidadãos, enquanto o Ministério da Saúde omitia-se em gerar e gerir políticas públicas que poderiam ter minimizado o número de 700 mil mortes pela Covid-19, até sua atuação, junto ao TSE, para defender as eleições e seu resultado contra uma tentativa de Golpe de Estado. Concorde-se ou não com a totalidade das medidas e decisões adotadas pelo Tribunal, é certo que, não fosse sua atuação firme e decidida, em especial do Ministro Alexandre de Moraes, tanto no Supremo quanto na Presidência do TSE, nós, hoje, talvez não gozássemos da liberdade e da possibilidade de reconstrução institucional em curso, diante das constantes, e ainda existentes, ameaças de fascistas e simpatizantes à nossa democracia. É lamentável que comitê do Congresso dos EUA, que também passou por crise semelhante após o ataque ao Capitólio, em começos de 2021, em vez de defender sua própria democracia, prefira envergonhar sua instituição, ao expor seus vínculos com o fascismo naquele país, atacando decisões de nosso Supremo Tribunal para enfraquecer seu próprio governo eleito. A AJD solidariza-se com o Ministro Alexandre de Moraes e com todos os demais integrantes do Supremo, ao mesmo tempo em que repudia com veemência a abjeta intromissão do comitê do Congresso americano em nossa soberania. Quanto ao empresário, amolde sua atuação à legislação soberana do Brasil, se quiser fazer negócios por aqui. E evite abrir a boca para externar tolices sobre aquilo que, evidentemente, ignora por completo.
Justa Resistência: 60 anos do Golpe de 1964
Muitos foram os brasileiros e brasileiras que se levantaram contra o golpe militar-empresarial instaurado em 1964. Alguns infelizmente não estão mais presentes para poder compartilhar suas histórias, outros ainda temos a oportunidade de ouvir e aprender com seus relatos. No seu quadro de membros e membras, a Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) tem a honra de poder contar com camaradas que foram aço nos tempos de chumbo. Nos 60 anos que marcam o golpe de 1964, a AJD celebra a trajetória de luta de Antônia Mara, Inocêncio Uchôa, Silvio Mota e Theodomiro Romeiro dos Santos, através da série Justa Resistência, dividida em quatro episódios. As entrevistas tentam remontar o contexto de luta dos anos 1960, o que levou cada um destes companheiros, e companheira, a fazer parte da resistência e qual projeto defendiam para o Brasil. A série também busca saber de que forma esta trajetória forjou suas atuações na magistratura, em especial a magistratura trabalhista, na qual exerceram ofício. No primeiro episódio conhecemos um pouco mais de Theodomiro Romeiro dos Santos, carinhosamente chamado de Theo. Virgínia Bahia (Viúva de Theo e membra da AJD) participa da entrevista, que recupera outros documentos e registros da vida de Theodomiro, que dá nome a um dos núcleos da AJD (Pernambuco). Em seguida, no segundo episódio, quem fala é o camarada Inocêncio Uchôa. Ele compartilha sua trajetória desde os tempos do movimento estudantil. “Você começa lutando por melhores condições de trabalho para os professores, por uma melhor biblioteca, alimentação, sala de aula, banheiro. Mas ao longo desse processo, você vai vendo que essas questões não se resolvem na universidade, elas se resolvem na política. E aí na política você tem que mudar o Ministro da Educação, para mudar o ministro você tem que mudar o Governo, e o Governo era um Governo Militar”, afirma Uchôa em dos trechos da entrevista. Silvio Mota, conterrâneo de Inocêncio, é o entrevistado do terceiro episódio. Ele relembra o que o levou a se tornar comunista: “Eu comecei a me aprofundar em filosofia e me tornei materialista. De materialista pra virar comunista, principalmente no Ceará dos anos 60, foi muito fácil” (Risos). Quem fecha com chave de ouro é a camarada Antônia Mara Loguércio, que iniciou sua jornada na Juventude Estudantil Católica (JEC) e posteriormente na Ação Popular (AP). “A violência acompanha todo o processo revolucionário, mas ela nunca parte dos revolucionários”, afirma Mara. A série “Justa Resistência” está disponível numa playlist do canal do YouTube da AJD. Assista e confira aqui.